Os Refugiados Portugueses

Os Refugiados Portugueses

PAI: Querida, meninos, isto da guerra está a ficar perigoso. Acho que é melhor preparar as coisas para fugir do país e tentar seguir a nossa vida num sítio seguro, antes que as milícias aqui cheguem...

MÃE: Tens razão, querido. Temos que fazer um inventário do essencial que temos de levar. Vou juntar as jóias e os fios de ouro que eram da minha mãe.

PAI: Vais o quê? Mas tu estás parva, mulher? Tu comes jóias e fios de ouro? Mas tu não tens noção do que é ser refugiada?

MÃE: Mas, querido, pode ser preciso vend...

PAI: A jóias ficam cá! Ponto final. Filho, vai buscar a tua mochila e enche-a de roupa até já não caber mais. Filha, tu a mesma coisa, vá.

FILHA: Ok, papá. Vou só aqui ver no telemóvel se encontro...

(O pai dá uma chapada à filha, tira-lhe o telemóvel da mão e atira-o pela janela)

PAI: Eu acho que vocês não estão a perceber! A partir de hoje somos refugiados. Não há cá telemóveis para ninguém! Era só o que faltava aparecer no barco com o telemóvel. O que é que as outros pessoas iam dizer, pá? Ainda pensavam que estávamos a gozar. É só roupa e comida! Querida, enche a mala maior de latas de atum e feijão frade.

FILHO: Mas pai, a mana só ia ver se encontrava informações sobre as maneiras mais seguras de fugir do país. E com o telemóvel é mais fácil ficarmos a saber o que é que se vai passando.

PAI: Hm... Está bem, és capaz de ter alguma razão. Podes levar o teu. Mas os fones ficam cá, meus meninos! A partir de hoje, não se ouve mais música nesta família. E desinstala a merda dos jogos todos que lá tiveres. Ai de vocês que eu vos apanhe a jogar no telemóvel quando chegarmos ao campo de refugiados.

MÃE: Querido, isto está a ficar muito pesado. Não achas que se calhar até é perigoso levar isto no barco? Quando chegarmos ao outro país alguém nos há-de dar algo de comer.

PAI: Estou lixado convosco... Com que então vão lá estar à espera com um jantarinho gourmet, é?

MÃE: Eu sei que não vai ser grande coisa, mas eles não deixam ninguém morrer à fo...

PAI: Vocês devem pensar que vão de férias! Somos refugiados! Esta vidinha acabou!

FILHA: Pronto, está aqui a mala com a minha roupa.

(O pai dá outra chapada à filha)

MÃE: Credo, então mas bateste à menina outra vez porquê?

PAI: Não viste que a tua filha me apareceu à frente com óculos de sol? 

FILHA: Mas, ó pai, são graduados.

PAI: Não interessa! Já agora, trazias também o biquíni, não?

FILHA: Também cá trago um biquíni, tu disseste para juntar a roupa toda.

PAI: Bem, tu sai-me da frente... Filho, vai ao carro que há-de estar para lá um canivete suíço.

MÃE: O que o meu pai te deu há dez anos? Então mas tu nunca usaste aquilo!

PAI: Filho, faz o que eu te digo, que pode ser preciso para depois arranjar qualquer coisa...

MÃE: Mas nós vamos ficar numa tenda... E depois, se tivermos sorte, põe-nos numa casa normal.

FILHA: Bem, já agora levem também uns fósforos para fazer uma fogueira...

PAI: Isso depois pede-se lá, há sempre alguém com isqueiro.

FILHA: Eu estava a goz...

PAI: Bem, está tudo pronto?

MÃE: Mas vamos já, querido? Tens os passaportes?

PAI: O cartão de cidadão deve chegar, e quanto mais depressa formos melhor, que arranjamos melhores lugares no barco.

MÃE: Nunca pensei que isto nos pudesse acontecer... 

PAI: Pois, a gente pensa que só acontece aos outros... Ah, é verdade, deixem-me só ir ao quarto buscar o cachecol do Glorioso.

Refugiados portugueses à espera que acabe a digestão para irem ao rio.




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