Juvenal

Juvenal

Naquele momento, completamente só na fria e mal iluminada sala de interrogatório – enquanto esperava pelos agentes da Judiciária que o andavam a investigar há já meio ano –, Juvenal reviveu mais uma vez a boleia oferecida, certa tarde, pelo Antunes do escritório.

O Antunes era estúpido, aquilo a que se costuma chamar “um calhau com dois olhos”. Contudo, naquele dia, aquela animália conseguiu surpreender Juvenal. Ao girar da chave na ignição, o rádio ganhou vida, e as colunas fanhosas do Toyota Starlet começaram a cuspir algo que se assemelhava a música. Segundo o Antunes, era kizomba – "e do bom". Juvenal sentiu uma vontade súbita de guinar o volante e forçar o automóvel a embater com toda a força no muro mais próximo, mas controlando-se, disse apenas, «foda-se, ó Antunes, tu gostas de cenas muito foleiras!».
A resposta daquela besta quadrada, qual epifania, afectou de forma instantânea a maneira de Juvenal estar na vida, e teve uma influência directa no comportamento que o caracterizou nos meses seguintes...

– Ora, ora, Sr. Juvenal! Então, está bom? – inquiriu um dos agentes que tinham entrado na sala, sem Juvenal dar por isso.
– Se está bom, vai já deixar de estar! – ameaçou o outro agente. – Temos aqui provas para o meter na prisão durante muito tempo, Sr. Juvenal. E sabe porquê? Porque o lugar de monstros que violam e matam idosas, é na cadeia. Só tenho pena que neste país a pena máxima seja só de vinte e cinco anos...
– Não sente remorsos? Veja! Veja as fotografias! Foda-se, o senhor fez cenas completamente doentias!

Juvenal sorriu. A resposta do Antunes ressoava incessantemente na sua cabeça, e ele sabia que a partir do momento em que a replicasse perante os agentes à sua frente, seria um homem livre. Tratava-se do argumento definitivo, impossível de refutar, que apanha despercebido o mais sábio dos sábios, e que deita por terra toda e qualquer acusação que possa ser feita a alguém.

– Está se a rir? Acha piada? O senhor é doente. O senhor é um tarado!
E, então, Juvenal explodiu.
– Olha, pá, eu até posso ser um tarado, mas ao menos eu admito!

Nesse mesmo dia, não muito longe dali, Juvenal violou e matou mais uma velha, a seu bel-prazer.




Sem comentários:

Enviar um comentário

Contact Us

Nome

Email *

Mensagem *



Back To Top